Os atos de vandalismo ocorridos na Capital da República no último dia 8 serão objeto de comentários, análises, “achismos”, processos e severas punições. Pensamos também que estudos psicológicos deverão ser realizados para analisar o surto dos vândalos. O simbolismo do ataque aos três poderes constituídos da República denota o desrespeito a tudo e a todos que contrariem pensamentos e interesses desses indivíduos, atitude que destoa da forma democrática.
A notícia dos atos golpistas ecoou por grande parte do planeta pelo modo como foi atacada a Democracia e o Estado democrático de Direito. Todos os dias surgem novas imagens e notícias sobre a dimensão dos danos causados.
No presente artigo, registrada a indignação com o episódio, importante destacar o que representa o ataque no âmbito do patrimônio público e cultural.
Na forma republicana socialmente pactuada pela Constituição Federal, a “res publica” deve ser respeitada pelos cidadãos. Os bens públicos, classificados como bens de uso comum, bens de uso especial e bens dominiais pelo Código Civil, serão compreendidos, se captada a ideia de coletividade, harmonia, harmonia, fraternidade, paz e solidariedade social. Aliás, esses são alguns valores expressamente previstos no preâmbulo e no artigo 1º. da Constituição Federal. São alguns dos pilares da sociedade brasileira.
Nessa linha de raciocínio o patrimônio público é aquele pertencente, ‘prima facie’, à sociedade. Nesse gênero, o patrimônio histórico e cultural é representado pelo acervo de bens materiais ou imateriais, pela característica histórica ou por representação cultural expressiva e peculiar.
Brasília faz parte do acervo de bens materiais da Humanidade, de acordo com declaração da Unesco, em 1987. Foi idealizada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer a partir das ideias modernistas surgidas na década de 20. Linhas simples, curvas, concreto, espaços públicos para a convivência social e a arquitetura social são algumas das características que foram materializadas na cidade desenhada em formato de avião. Brasília também é um monumento arquitetônico em forma de cidade planejada. A genialidade dos seus criadores surpreende a todos que visitam a cidade.
A capital brasileira também faz parte do acervo arquitetônico, histórico e cultural brasileiro e possui muitos mecanismos de preservação para eternizar os traços dos arquitetos.
Quando se aborda a proteção do patrimônio histórico e cultural destacam-se duas vertentes: o pertencimento social e a irreversibilidade de eventual dano. Muitas vezes é difícil explicar com clareza essas ideias.
O bem classificado como patrimônio histórico e/ou cultural desperta na sociedade onde se localiza ou, no caso do patrimônio imaterial, no ambiente onde se apresenta, um sentimento de orgulho, de pertencimento social. Esse é o vínculo estabelecido entre esse tipo de bem e a sociedade que passa a cuidar desses bens como objetos de muito valor local.
O sentimento de incredulidade, tristeza e indignação do cidadão médio ao assistir à destruição das sedes dos poderes constituídos e dos bens integrantes do acervo histórico e cultural brasileiro, representam mácula à relação de pertencimento entre o bem e o indivíduo.
No caso dos edifícios sede, há a possibilidade de recuperação de elementos estruturais sem os descaracterizar, segundo o levantamento e análise dos técnicos responsáveis. Entretanto, presentes raros recebidos pela Nação, pinturas e tapeçarias de artistas brasileiros representativos da nossa cultura, bens expostos nas sedes dos poderes justamente pela representatividade para o País, não poderão ser reparados. Objetos singulares, históricos e importantes foram irremediavelmente perdidos.
Alguns poderão questionar qual a importância desse acervo histórico-cultural, perante a simbologia dos gravíssimos ataques ao Estado Democrático de Direito. A partir dos eventos do dia 8 de janeiro, a impressão sentida pela maioria de nós, ao ver as atrocidades cometidas em Brasília, ajudam a responder a amplitude dos danos. Cada um de nós foi, em maior ou menor medida, atingido. Bens maculados, outros desaparecidos, ferida a sensação de pertencimento e perda de parte da nossa história e da nossa cultura.
Esperamos que episódios como esse não se repitam no nosso Estado Democrático de Direito. Que o dia 8 de janeiro, seja um dia comemorativo para fortalecer as Instituições, a Democracia e a valorização do patrimônio histórico e cultural.