A linguagem utilizada nos documentos públicos e jurídicos pouco evoluiu desde o final do século XIX, Entretanto, a sociedade avançou e ingressou na Era pós-moderna, caraterizada pela fluidez, efemeridade e rapidez. Diante disso, há um descompasso entre os meios de comunicação administrativos e jurídicos utilizados e as demandas que a sociedade atual requer. Parece então ser necessário melhorar a forma de comunicação jurídica.
A advocacia necessita se conectar com os novos instrumentos de comunicação que vem sendo pensados para atender as demandas administrativas e jurídicas.
Recentemente, em maio de 2023, a Escola Superior de Direito Municipal (ESDM), vinculada à Associação dos Procuradores do Município de Porto Alegre (APMPA), ofereceu o “Workshop: Aplicando o legal design e o visual law nas procuradorias”, ministrado pelas professoras Tayana Arceno e Fernanda Oliveira de Souza. Em razão das ideias e provocações ali lançadas, surgiu a curiosidade de aprofundar mais o tema.
Poderia ser um contrassenso um texto defendendo que a comunicação deve ser mais objetiva e rápida. Mas é justamente a necessidade de demonstrar que o legal design surge como uma ferramenta complementar, é que esse artigo pretendeu apresentar o tema.
Por meio da junção do Direito, do Design e da Tecnologia, o legal design é uma ferramenta que, por figuras, imagens, gráficos e sinais, visa a agregar legibilidade, compreensão, utilidade e empoderamento do destinatário, nos textos jurídicos e administrativos.
De certo modo, essas ferramentas de design aplicadas ao Direito já são utilizadas de forma empírica pelos servidores públicos e operadores do Direito. São os modos de traduzir, de forma objetiva, a mensagem aos destinatários, pois nem sempre as palavras dão conta de transmitir a ideia para os usuários. O legal design visa sistematizar esse uso por meio de princípios e técnicas, aprimorando a metodologia utilizada.
Entretanto, o paradigma do juridiquês ainda é predominante e assim será por um bom tempo. A mudança virá de modo paulatino, com a diminuição da resistência ao uso de novos instrumentos que venham agregar- não extinguir- as atuais formas de comunicação jurídica e administrativa. Não se advoga aqui o abandono das práticas jurídicas até então utilizadas, mas o acréscimo de outras que possam incrementar maior dinamismo ao trabalho jurídico e administrativo, garantindo-lhe maior eficiência e eficácia.
Há que se ter presente que as demandas sociais atuais se avolumam nos escaninhos (virtuais) e requerem comunicações e soluções mais rápidas. O uso de novas técnicas não representa a perda do conteúdo essencial, mas a busca do aperfeiçoamento da entrega do serviço administrativo ou jurídico ao destinatário.
Laudas e laudas, expressões latinas não traduzidas, prolixidade, folhas e folhas de transcrição de doutrina e de jurisprudência e laudos técnicos, como se esses elementos trouxessem erudição ou qualidade ao texto. Erudição não é sinônimo de conhecimento, assim como ferramentas de legal design não correspondem à superficialidade ou à mera estética textual. A pretendida erudição, como modo de reserva do conhecimento (e de mercado), prática negativa e notória nas repartições públicas e judiciárias, é ilusória, sempre foi.
A Constituição Federal garante o acesso à informação no artigo 5º. inciso XIV. Essa garantia possui como contrapartida o cumprimento do princípio constitucional da publicidade, do caput do artigo 37 da Constituição Federal.
A Lei Federal n. 12. 527, de 18 de novembro de 2011, que trata do acesso à informação, estabelece no artigo 5º, que é dever do Estado garantir o acesso à informação mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.A facilitação da comunicação auxilia todas as partes envolvidas, especialmente aquelas que não transitam no ambiente público ou jurídico. No âmbito da administração pública há iniciativas oficiais que visam o uso de linguagem simples como modo de simplificar os atos administrativos, diminuindo a desigualdade entre os cidadãos.
Linguagem simples é aquela que, por meio de práticas, sinais ou qualquer outra forma facilite o entendimento e democratize o acesso à informação O projeto de lei n.6256, apresentado em dezembro de 2019, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados e visa criar a Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta[1]. A proposta pretende compelir o poder público a divulgar informações de maneira simples e objetiva, facilitando a compreensão de todos os atos praticados. Entre as diretrizes previstas no projeto de lei estão: conhecer e testar a linguagem com o público alvo; evitar o uso de jargões e palavras estrangeiras; usar palavras comuns e que as pessoas entendam com facilidade; não usar termos discriminatórios; usar linguagem adequada às pessoas com deficiência; usar elementos não textuais, como imagens, tabelas, gráficos, animações e vídeos, de forma complementar, entre outros critérios.
Cita-se também a Resolução n.347, de 13 de outubro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que instituiu a Política de Governança das Contratações Públicas dos órgãos do Poder Judiciário. Nesse documento, destaca-se do Plano de Comunicação a diretriz de acesso às informações. Expresso ainda, no parágrafo único do artigo 32 que sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law[2] que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis.
Ainda, a necessidade de buscar otimizar a comunicação encontra os primeiros ecos nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) tal como ilustra o trecho de voto proferido recentemente:
Destaco, ao arremate, que diante da sobreposição de documentos em arquivos longos, sequer identificados ou decompostos autonomamente pelo recorrente, o esforço imposto ao julgador quanto à navegação entre as centenas de páginas viola o dever se colaboração processual (CPP, art. 3º c/c CPC, art. 6º). A atividade defensiva poderia adotar estratégias ágeis de navegação documental [COELHO, Alexandre Zavaglia; SOUZA, Bernardo de Azevedo. legal design e Visual Law no Poder Judiciário. São Paulo; RT, 2021]
Nesse trecho percebe-se a irresignação do ministro com a forma de exposição de ideias de uma das partes.
As iniciativas do Poder Judiciário, vão além, com a criação do #Projeto Simplificar 5.0- RenovaJud. Esse projeto, em desenvolvimento, visa a transformar as sentenças judiciais em resumos ilustrados, acessíveis a qualquer interessado. O projeto foi implementado no âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás em junho de 2021. Esse projeto recebeu o Prêmio Innovare na categoria juiz como prática inovadora, no ano de 2022.
Segundo o que consta no Projeto, o primeiro passo iniciaria com a publicação da sentença tanto no sítio do Tribunal como envio de mensagem por aplicativo para as partes e advogados. O envio por mensagem seria por meio de um resumo ilustrado, contendo as principais informações dos processos com “imagens, fluxogramas, linhas do tempo, ícones, com a utilização de frases curtas, palavras-chave e termos de fácil compreensão por qualquer cidadão”. A ideia é a de que qualquer cidadão, por ele mesmo, entenda o fluxo e das decisões do processo.
No Rio Grande do Sul, em 2020, o Tribunal de Justiça (TJRS) criou o Projeto Descomplica, em que a Comissão de Inovação (INOVAJUS) já propôs vários movimentos e orientações aos magistrados buscando aplicar os mecanismos de simplificação da linguagem.O Presidente do INOVAJUS, Desembargador Ricardo Pippi Schmidt, explica que a intenção é propor aos magistrados que a redação de textos jurídicos seja simples, clara e objetiva, para uma comunicação mais adequada e direta. “As pessoas que não conhecem e não entendem os mecanismos da Justiça e, ao acessarem o Judiciário, ao receberem um mandado ou intimação, podem se sentir reféns de um sistema que parece difícil de entender”, diz que o desafio é manter a essência da informação, mas sem excessos e procedimentos retóricos, promovendo uma comunicação mais eficaz.
A Procuradoria-Geral do Estado do Ceará é pioneira no uso dessas novas técnicas, no campo da regularização de dívidas tributárias. Trata-se de projeto em andamento mas que já produziu documentos que visam o incremento da recuperação da dívida ativa estadual.
Segundo Margaret Hagan o “legal design seria uma proposta inovadora para aprimorar documentos legais, produtos, serviços, políticas ou organizações, buscando interligar o Design, a Tecnologia e o Direito”.Aliado ao processo eletrônico, audiências por videoconferência, serviço de balcão virtual, uso de aplicativo de mensagens oficiais de troca de documentos jurídicos e administrativos, o legal design surge como modo de agregar clareza e objetividade, sem deixar de lado as ferramentas utilizadas até então.
Há aqueles que entendem que o legal design desmoraliza a atividade jurídica. Não passaria de mera maquiagem no texto jurídico. Entretanto as ferramentas de legal design auxiliam a diminuir as distâncias entre o redator e o receptor da informação.
Percebe-se que a ciência do Direito, nas últimas décadas, incorporou novos direitos ao seu campo de estudo e as ferramentas de legal design tem sido utilizadas para auxiliar na compreensão desses temas. O legal design não pretende transformar as comunicações jurídicas escritas em meros esquemas e desenhos. Utilizadas nos textos jurídicos com bom senso, otimiza a escrita, a leitura e a compreensão.
Um simples exemplo de uso do legal design: petição inicial de superendividamento[3] onde se pretende demonstrar a situação difícil pela qual passa o devedor. Arrolar as dívidas do devedor, com mais de 50% da sua renda comprometida, talvez seja pouco eficaz. A demonstração por meio de imagem causará maior impacto podendo ser mais benéfica àquele que busca o Poder Judiciário para solucionar a sua difícil situação econômica.
Esse modelo em construção aceita novas ideias surgida com o uso e com o passar do tempo. Mesmo incipiente, há princípios que integram o modelo, visando consolidar o uso técnico e afastar a ideia de que o legal design é apenas uma mera ferramenta de estética jurídica ou administrativa.
A função do design não é só estética, mas buscar soluções para das demandas da sociedade. Da mesma forma, o legal design pretende auxiliar na relação entre o Estado e a sociedade, nos conflitos de interesses, na democratização da informação e na prestação ágil de serviços públicos e jurisdicionais, por meio da comunicação. Para isso se baseia nos seguintes princípios: princípio do foco no usuário ou destinatário, princípio da utilidade da ferramenta, princípio da usabilidade, princípio da eficiência e princípio do interesse.
A partir das ideias o legal design vem sendo paulatinamente utilizado. Registre-se que o uso moderado desses instrumentos tende a diminuir distâncias entre as partes envolvidas. Por outro lado, o uso excessivo desses mecanismos tende a causar um efeito negativo à leitura e ao interesse do usuário ou destinatário.
Como modelo em construção, necessário que os operadores do Direito e servidores públicos estejam atentos aos princípios peculiares de uso, bem como às novas ideias e debates que surgirão com o tempo. O desafio é romper as barreiras existentes, da comunicação usual, e buscar, pelas experiências brasileiras já existentes no Brasil implementar novas linguagens que visem a aprimorar a comunicação, a ampliação da informação e a eficiência na prestação do serviço jurídico e jurisdicional.
Referências:
BRASIL, Agência Câmara de Notícias. Disponível em https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/proposta-pretende-adotar-coeficiente-de-aproveitamento-em-revisao-do-plano-diretor-em-belo-horizonte. Acesso em 25 de maio de 2023.
BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União – Seção 1 – 5/10/1988, Página 1 (Publicação Original). Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 16 de junho de 2023.
BRASIL. Lei n. 10.257, de 5 de julho de 2001. Institui o Estatuto da Cidade. Diário Oficial da União – Seção 1 – Eletrônico – 11/7/2001, Página 1 (Publicação Original), Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em 16 de junho de 2023.
BRASIL. Lei n. LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.Diário Oficial da União, de 18 de novembro de 2011. Edição extra. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em 16 de junho de 2023.
BRASIL, Lei n. LEI Nº 14.181, DE 1º DE JULHO DE 2021 que altera o Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial da União de 2 de julho de 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14181.htm. Acesso em 16 de junho de 2023.
Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 374, de 13 de outubro de 2023. Dispõe sobre a Política de Governança das Contratações Públicas no Poder Judiciário. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3518. Acesso em 16 de junho de 2023.
HAGAN, Margareth. Law by design. [recurso eletrônico]. 2020. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3518. Acesso em 15 de maio de 2023.
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO DE CURITIBA-IPPUC. Disponível em https://www.ippuc.org.br/. Acesso em 14 de junho de 2023.
MAIA, Ana Carolina. Legal Design [recurso eletrônico]: criando documentos que fazem sentido para o usuário/Ana Carolina Maia, Erik Fontanele Nybo, Mayara Cunha. São Paulo. SP, Saraiva educacional, 2020.
RIBEIRO, Thiago Aramizo, Curso de legal design- Teoria e Prática. [recurso eletrônico].KLSN, 2021,
PROJETO SIMPLIFICAR, RENOVAJUD. Disponível em https://renovajud.cnj.jus.br/conteudo-publico?iniciativa=227. Acesso em 25 de maio de 2023.
O que é o visual law e como se aplica na advocacia pública. Disponível em https://sajprocuradorias.com.br/blog/o-que-e-visual-law-e-como-se-aplica-na-advocacia-publica/. 15 de maio de 2022. Acesso em 15 de junho de 2023.
DESCOMPLICA: Comissão de Inovação do TJRS lança projeto para simplificar o texto jurídico. 21 de setembro de 2020. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em https://www.tjrs.jus.br/novo/noticia/descomplica-comissao-de-inovacao-do-tjrs-lanca-projeto-para-mudar-o-texto-juridico/. Acesso em 15 de junho de 2023.
[1] Lei Federal que poderá ser explicitada no âmbito municipal, com base no interesse local, artigo 30,I da Constituição Federal.
[2] No anexo da Resolução n. 347 visual law está conceituada como a subárea do legal design que utiliza elementos visuais tais como imagens, infográficos e fluxogramas, para tornar o Direito mais claro e compreensível. Neste texto optamos por utilizar apenas a expressão legal design.
[3] Lei Federal n. 14.871, de 1º. de julho de 2021.
Fonte da imagem: Disponível em https://lawtech.asia/legal-design-for-the-future-of-law/. Acesso em 29 de junho de 2023.